quinta-feira, 30 de junho de 2011

definições do conceito de latifundio - Francisco Graziano

O conceito de latifúndio


XICO GRAZIANO


Há uma unanimidade no debate da questão agrária brasileira: a condenação ao latifúndio. Você já viu alguém defendê-lo? Certamente, não.
Todo mundo é contra o latifúndio. Ainda bem! A coincidência termina, porém, quando se avança na discussão: onde está o latifúndio?
Originário do latim, significando os grandes domínios privados da aristocracia romana, o conceito de latifúndio vincula-se à idéia da imensidão, da monocultura, do subdesenvolvimento. Autores famosos, como Alberto Passos Guimarães, Caio Prado Jr., Celso Furtado, descrevem à farta as mazelas do sistema latifundiário-exportador, instalado com o ciclo do açúcar, no Nordeste.
Além do caráter exportador, monocultor e extrativista, nas relações sociais de produção se caracterizava o latifúndio. A mão-de-obra escrava foi sua marca indelével, capitaneada pelos senhores de engenho. Relações pessoais autoritárias conformavam um sistema de poder servil, à moda feudal. Na legislação agrária, apenas em 1964, com a promulgação do Estatuto da Terra, se estabeleceram os marcos jurídicos do latifúndio. Tomando o módulo rural como tamanho ideal da propriedade familiar, denominou-se latifúndio "por dimensão" o imóvel rural com área acima de 600 módulos. Menor que isso, desde que não fosse minifúndio, classificava-se o imóvel como empresa rural, se produtivo, ou latifúndio "por exploração", se improdutivo.
Havia, portanto, dois tipos de latifúndio: um dado pelo tamanho excessivo e o outro, pela baixa exploração da terra. Essa é a razão que permitia a existência de "pequenos latifúndios" no País, uma contradição nos termos. Em 1984, as estatísticas do Incra mostravam que 70% da área total cadastrada pertencia aos latifúndios. Desses, porém, 90% não ultrapassavam 500 hectares e 58% eram menores que 100 hectares. Um paradoxo!
Com a nova Constituição, em 1988, a legislação complementar alterou a antiga denominação do latifúndio, substituindo-a pelo conceito de "grande propriedade improdutiva". Hoje, pela Lei 8.629/93, a grande propriedade precisa estar acima de 15 módulos. Dependendo de análise técnica, pode ser caracterizada como produtiva ou improdutiva.
Associando a história com o direito, percebe-se que não cabe ao latifúndio ser produtivo. Tampouco ter gerência e trabalho regulamentado. Assim colocado, fica claro que a moderna produção agropecuária não pode, em nenhuma hipótese, ser considerada latifundiária. Nem se confundem com latifúndios as grandes empresas rurais, dedicadas à produção de grãos, culturas permanentes ou gado.
O processo de modernização da agropecuária, desde meados de 70, provocou uma reviravolta no campo. De um sistema latifundiário e oligárquico se passou a uma economia com tecnologia intensiva. Relações quase feudais de produção foram substituídas pelo profissionalismo exigido pela agronomia moderna.
Capatazes cederam lugar aos gerentes. Coronéis viraram empresários.
Assim seguiu a trajetória da pecuária, que investiu em gramíneas selecionadas e trouxe as modernas raças européias, utilizadas no cruzamento com o tradicional zebu. O Brasil, hoje, equipara-se aos grandes produtores de carnes do mundo, como Nova Zelândia ou Austrália. Pastagem calcareada não é latifúndio!
Na soja, há mais tempo, no algodão, recentemente, o salto de produtividade é simplesmente admirável. Cerrados retorcidos cederam lugar a cultivos que superam os norte-americanos e argentinos. O café, tradicional lavoura da oligarquia, caminhou para terras altas e planas do cerrado e, na Serra da Mantiqueira, investiu em qualidade. A bica-corrida vai sendo substituída pelo café gourmet!
Na cana-de-açúcar e no cacau, berços do latifúndio, bem como nos pomares de laranja, o Brasil é hoje campeão de produtividade. Há, claro, bolsões ainda atrasados. Mas a grande diferença está em que, no passado, o latifúndio era a regra. Hoje, o que impera é a produção capitalista, incluindo a familiar.
Os latifúndios modernizaram-se e se transformaram na propriedade produtiva
Podem ser grandes, porém geram renda e emprego no campo. Mais, trazem divisas para pagar a conta das importações do setor industrial, sempre deficitário.
Cadê, então, o latifúndio? Pode-se comprovar que, hoje, restam três tipos de latifúndio. Primeiro, o latifúndio "ecológico", grandes propriedades cobertas por reservas florestais, principalmente na Amazônia, que somam talvez 100 milhões de hectares. Imaginá-las, porém, destinadas à reforma agrária significa confundir mata nativa com terra improdutiva. E associar essas idéias representa avalizar a devastação florestal. Pois é exatamente isso que está ocorrendo no Pará e em Mato Grosso. O temor da reforma agrária impulsiona o desmatamento.

Segundo, há também os latifúndios "cangaceiros", situados no semi-árido ou no sertão do Nordeste, região de solos áridos e secas contumazes. Somam 25 milhões de hectares onde pastam bodes e crescem cactos, onde sem irrigação não há produção possível. Pior, distam léguas dos mercados.
O terceiro é o mais alvissareiro deles: o latifúndio "fantasma". São terras griladas e cadastradas de forma espúria, que desde os anos 1960 turvam as estatísticas rurais do País. Quase 90 milhões de hectares foram, no governo passado, excluídos do cadastro de terras do Incra: não houve quem as reclamasse!



O MST quer guerra contra o latifúndio. Ótimo. Todo mundo deveria entrar nessa jornada. Mas, antes da batalha, carece delimitar o adversário. Onde está, afinal, o latifúndio? Definitivamente, ele não pode ser confundido com as grandes empresas rurais. Tampouco com as florestas virgens ou a catinga.

Sem informação atualizada, corre-se o risco de, à moda de dom Quixote, guerrear contra fantasmas. Para os neo-revolucionários de plantão, está de bom tamanho. Para a política nacional, significará apenas mais confusão.

Para nada.

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