sábado, 17 de março de 2012

Valeu Professor Aziz Ab'Saber . Comunidade geográfica de luto

 

Aziz Ab'Saber foi referência no estudo da geografia do Brasil

 

    Aziz Nacib Ab’Saber fez dos estudos profundos sobre a geografia do país as suas armas na defesa dos recursos naturais do país. O professor costumava dizer que é preciso conhecer e respeitar a natureza para manter o equilíbrio do meio-ambiente. Durante quase 70 anos dedicou seus estudos à geografia, se tornando referência no assunto no país e internacionalmente, tendo recebido o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente de 2001, entre outros. Considerado o principal geomorfologista do país, aos 87 anos, em sua casa na Grande São Paulo.
Filho de pai libanês e mãe brasileira, Aziz Ab’Saber nasceu em São Luís do Paraitinga (SP), no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Passou a infância em Caçapava e Taubaté, outras cidades da região.
   Aos 16 anos, foi para São Paulo para terminar o colegial. No ano seguinte, entrou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH). Segundo o próprio Ab’Saber, sua aprovação se deu por sua grande capacidade em fazer desenhos. Em artigo publicado no site da USP, o professor relatou que nos primeiros meses da faculdade participou de uma excursão pelo interior de São Paulo. Ao observar o relevo e vegetação de cidades como Sorocaba, Itu, Salto e Campinas, se apaixonou pela geografia.
 
    Ab’Saber passou a estudar as características geomorfológicas dessas regiões. Terminou a faculdade em 1944 com licenciatura e bacharelado em geografia e história. Dois anos depois iniciou estudos específicos de geologia, para aprender mais sobre o solo.
    Foi contratado pela USP para trabalhar como jardineiro, logo se tornou prático de laboratório no Departamento de Geologia e Paleontologia da antiga Faculdade de Filosofia, e após fazer doutorado e livre-docência, passou a dar aulas de geografia física na USP.
Aziz Ab'Saber autografa livro no auditório da FFLCH em agosto de 2011 (Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP / USP Imagens )
Professor emérito da FFLCH e membro da Academia Brasileira de Ciências, Ab'Saber desenvolveu ao longo de sua extensa carreira de cientista centenas de pesquisas e tratados de significativa relevância internacional nas áreas de ecologia, biologia evolutiva, fitogeografia, geologia, arqueologia e geografia.
   Foi diretor do Instituto de Geografia da USP, de 1969 a 1983, e presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), entre 1982 e 1983, onde trabalhou pelo tombamento da Serra do Mar. Ab'Saber também foi presidente da SBPC de 1993 a 1995 e desenvolveu trabalhos no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA/USP), onde era professor honorário. Ele ainda era professor emérito da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e presidente de honra do Instituto de Cultura Árabe.
    O professor recebeu diversos prêmios como o Prêmio Jabuti em Ciências Humanas (1997 e 2005), e em Ciências Exatas (2007); o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia (1999), concedido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia; a Medalha de Grão-Cruz em Ciências da Terra pela Academia Brasileira de Ciências; e o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente (2001).
Críticas ao novo Código Florestal   Há dois anos, quando foi homenageado na 62ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o pesquisador fez severas críticas ao novo Código Florestal que tramita no Congresso Nacional.
“A nossa inovação sempre vai ser na proteção do que a natureza faz”, afirmou na ocasião, para enfatizar que a maior contribuição da ciência para a humanidade é buscar formas de preservar a natureza.
    O professor alegava que o projeto do novo Código Florestal não respeitava a importância da floresta para o equilíbrio ambiental e as consequências de uma destruição do bioma. Para Ab’Saber, o projeto deveria contemplar as características de todos os ecossistemas encontrados no território nacional.Livro inédito    Incansável, Aziz Ab’Saber era professor aposentado da USP, mas continuava trabalhando. Na quinta-feira (15), ele foi à sede da SBPC, onde era presidente de honra, para entregar na tarde sua obra consolidada, de 1946 a 2010, em um DVD, para ser encaminhada a amigos, colegas da universidade e ao maior número de pessoas.
     Na dedicatória, segundo a SBPC, ele escreveu: “Tenho o grande prazer de enviar para os amigos e colegas da universidade o presente DVD que contém um conjunto de trabalhos geográficos e de planejamento elaborados entre 1946-2010. Tratando-se de estudos predominantemente geográficos, eu gostaria que tal DVD seja levado ao conhecimento dos especialistas em geografia física e humana da universidade”.
Ainda segundo a entidade, Ab'Saber morreu antes de ver publicada sua última obra que será o terceiro volume da coleção “Leituras Indispensáveis”, a ser publicado pela SBPC. Ele é autor de mais de 300 trabalhos publicados sobre estudos da geografia do Brasil. No segundo semestre de 2011, a editora Beca publicou o livro "A obra de Aziz Ab'Saber", uma homenagem ao professor que reuniu os artigos escritos por ele durante sua carreira. O livro é vendido com um CD com a tese de doutorado de Ab'Saber, concluída em 1957.
De acordo com a USP, o geógrafo era pai de duas filhas, Janaína e Jussara, e tinha seis netos, todos com nomes indígenas: Iaci, Iandara, Cauê, Acauã, Iberê e Jassiara.

domingo, 4 de março de 2012

David Harvey - ocupar as cidades !!!!

Ocupar cidades é uma forma de luta muito poderosa, diz o geógrafo David HarveyBritânico convida esquerda a usar centros urbanos para confrontar o capitalismo

As cidades são uma força econômica muito poderosa. Fechar as cidades, também. Para o geógrafo marxista David Harvey, a esquerda deve aprender a usar isso como forma de luta. O pensamento é também um apelo do britânico, e acompanha sua linha de análise sobre o papel da urbanização como intervenção no sistema econômico.
“Tudo parou de se mexer por três dias em Nova York depois do 11 de setembro. E de repente os poderes perceberam que se não houvesse movimento, não haveria acumulação de capital. O prefeito foi então à televisão fazer um apelo para que as pessoas fossem às ruas consumir, viver normalmente.” O ativista anti-capitalismo cita ainda as mobilizações que aconteceram na Praça Tahrir, no Egito, e o movimento Occupy, espalhado pelo mundo, como exemplos de engajamento urbano. Em visita ao Brasil, insistiu, para um público de mais de mil pessoas, que os centros urbanos são o lugar em que alguma forma de luta contra o capitalismo pode realmente funcionar.

m1 education
exemplo de movimento - Pró educação

http://occupywallst.org/

Para geógrafo, organização das cidades pode ser também forma de controle social
Na madrugada do mesmo dia, 28 de fevereiro, a polícia removeu as barracas do braço londrino do Occupy. “Agora é um ótimo momento para o Occupy começar a repensar e a se reagrupar”, disse Harvey ao Opera Mundi, menos de 24 horas depois de oficiais de justiça ajudarem policiais a mandar embora os cerca de 100 manifestantes que estavam acampando em frente à Catedral de São Paulo, na capital britânica.
Para o pensador, é consistente o entendimento de que as reações governamentais contra os acampamentos dos occupies ao redor do mundo são sinal de que a sociedade não está pronta para modificar o sistema atual. Ainda assim, comemora o fato de a ofensiva policial em Londres não ter sido violenta como as dos Estados Unidos. Os manifestantes devem voltar às ruas? Sim, responde.

“Mas eles devem pensar qual será a estratégia para enfrentar a resistência e também pensar como mobilizar a população em massa. Talvez assumindo compromissos com movimentos sociais populares, movimentos de bairro”, afirmou.
Professor de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York, Harvey esteve no Brasil para o lançamento de seu livro mais recente, O enigma do capital: e as crises do capitalismo, lançado pela Boitempo Editorial. Na publicação, ele analisa os ciclos do capitalismo, crises econômicas passadas e processos de urbanização, partindo da crise do subprime norte-americano. Segundo o geógrafo, as crises do capitalismo não se resolvem, mas se movem – mudando o tipo de problema e também o lugar afetado.
“Nos últimos anos vemos um deslocamento dos problemas, de um campo da economia para outro.” A crise foi do setor da habitação, para o financeiro, passando depois para as dívidas soberanas de Estados-nação, diz. “E há uma maneira de transferir essa crise de volta para o setor bancário, se as dívidas não puderem ser resolvidas. As políticas de austeridade, então, empurram essas dívidas para o povo de volta.
Mas a crise também se move num sentido geográfico. A quebra do mercado da habitação foi localizada em parte dos Estados Unidos – mais especificamente no sul da Califórnia, Nevada e Flórida – e, ao se modificar, chegou a lugares como a Europa e a Ásia.
Caminho até 2008

Harvey trouxe, na conferência, um panorama histórico da economia norte-americana, para explicar os ciclos de crise do capitalismo. E como eles se repetem, sem que os governos se dêem conta. “Nos anos 20, houve excesso de capital num boom de construção localizado em poucas áreas - Flórida, Nova York, Chicago. Havia uma estratégia clara de financiamento e o boom nos preços de propriedade terminou um ano antes da grande crise. O que os economistas estão reconhecendo é que houve uma relação entre a crise do mercado de propriedade de 1928 e o colapso da bolsa de 29”, diz.
“A Segunda Guerra Mundial resolveu o problema dos anos 30, mas, em 1945, surgiram outras questões: onde colocar todo o excesso de capital que existia nos EUA? Todos os soldados que foram lutar e voltaram iriam encontrar emprego onde?” Como solução para um novo problema econômico, explica, os americanos passaram a construir casas e enchê-las com coisas. Novamente um boom na construção. A saída estimulava o consumo e aumentava os empregos.
“Uma das grandes maneiras por meio da qual os EUA saíram da crise dos anos 30 foi ‘suburbanizando’ as cidades nos anos 50 e 60. E, mesmo se você morasse no subúrbio, você tinha um cortador de grama, porque todos tinham. Era um estilo de vida.” De acordo com Harvey, antes da 2ª Guerra Mundial, não chegava a 500 mil o número de unidades habitacionais construídas anualmente. Depois de 45, o índice dobrou.
Mas a segunda onda de problemas estava para chegar. Muitos norte-americanos começaram a usar a habitação como um banco privado. “Você comprava uma casa por 200 mil dólares, hipotecava por esse preço, depois de dois anos o imóvel valia 300 mil, e você ganhava 100 mil hipotecando de novo”. O sistema financeiro, diz Harvey, controla a oferta e demanda de casas, pois empresta dinheiro para os construtores e também para os compradores.
“O tempo todo, as instituições financeiras devem estar preparadas para colocar dinheiro nos dois lados. Todo mundo já sabia, em 2003, que o mercado da habitação era instável, mas por uma razão política foi decidido continuar com a bolha e com os juros muito baixos.”
Segundo o geógrafo, caso as pessoas não ganhem dinheiro através do salário, podem ganhar por meio da propriedade. Se isso não funciona mais, o consumo despenca. Foi o que se viu em 2008: o consumo entrou em colapso.
O capitalismo e as cidades
A relação da crise macroeconômica com as cidades nasce nos projetos de urbanização como saída para os colapsos financeiros, mas não acaba aí. A definição capitalista de urbanização, segundo o autor, não tem a ver com a criação de vida social, mas com a construção de coisas materiais para manter o processo de acumulação.
O exemplo da cidade de Nova York pós 11 de setembro não é o único citado por David Harvey. Em protesto contra a aprovação de um projeto que criminalizava nos EUA, em 2006, os imigrantes ilegais, este grupo decidiu não trabalhar por um dia, conta Harvey. “O que aconteceu? Los Angeles, Chicago e São Francisco pararam. Há relação direta entre acumulação de capital e questões relativas à urbanização”, diz.
Para o geógrafo, é preciso pensar a urbanização como um campo de luta de classes. “Quase todo mundo nos subúrbios vota nos republicanos. Eles não estão interessados nas questões sociais. Nos anos 30, havia um relatório que dizia que os proprietários de casa não entravam em greve, porque tinham que pagar a hipoteca de suas casas”, afirma Harvey, explicando o motivo da organização das cidades ser também medida de controle social significativa.
“A urbanização é muito importante para o sistema capitalista, em termos de acúmulo de riqueza, e deve ser importante para a esquerda como forma de luta anticapitalista na cidade”, conclui.