segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Conflito territorial no rio de Janeiro

O Haiti é Aqui
Sobre o Rio 2010, 2014, 2016 ...

Carlos Walter Porto-Gonçalves[1]

O espetáculo da violência que se quer legítima por parte do Estado globalizando Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão coloca a sociedade a brasileira diante de si mesma. Vivemos uma época onde o capitalismo financeirizado usa como estratégia a produção de eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Esses eventos desencadeiam excelentes oportunidades de negócios no setor da construção civil, turismo, marketing e publicidade, indústria esportiva e mídia conformando um bloco de poder que insta os estados a agir em seu interesse em nome de atrair investimentos e gerar emprego e renda. Como se tratam de eventos, o nome já o diz, seus empregos são eventuais e a geração de renda beneficia desigualmente os diferentes estratos sociais: alguns terão empregos na construção civil, uns serão porteiros depois das obras, e outros serão guias turísticos e repórteres por alguns dias. O setor financeiro, as incorporadoras de imóveis, as grandes redes hoteleiras, a indústria esportiva e as empresas de marketing e publicidade já estarão promovendo ouros grandes eventos a serem transmitidos pelas redes globais de TV em canais abertos e fechados.
O Brasil, Cuba e Haiti desde o séc. XVI exportam açúcar e, ao contrário do que se ensina nos livros didáticos e até mesmo nas universidades e na pós-graduação, o açúcar não é matéria prima. O açúcar é produto manufaturado e, à época, na Europa não havia manufaturas como os nossos engenhos de açúcar. A modernidade tecnológica estava aqui e não lá. O engenho de açúcar chegou aqui junto com os latifúndios e suas monoculturas, e como toda técnica comporta uma intencionalidade, como nos ensina Milton Santos, os engenhos e o latifúndio monocultor tinham uma intencionalidade posto que a produção não era para satisfazer as necessidades de quem produzia diretamente, mas sim para fora, para terceiros, para exportação. A monocultura, por exemplo, é uma técnica moderna e, portanto, feita não para satisfazer a quem produz. Essa coisa de local e de comunidade é tudo que a modernidade nega e desqualifica em nome do global, do geral, do universal. E como não era natural que as pessoas aceitassem produzir o que não fosse para elas mesmas, a modernidade introduziu a chibata, a escravidão. Afinal, nossos primeiros engenhos foram feitos com chibata para exportação! Made in Brazil e, já ali, commoditties: técnica de ponta com injustiça social.
A modernidade para nós tem sido isso: riqueza e sofrimento. Essa é a colonialidade que nos acompanha e que é o outro lado da moeda da modernidade. Somos modernos há 500 anos! E para que não se pense que estamos falando de um outro mundo, de um outro tempo, observemos o que nos falam os dados da ONU sobre o que vem se passando no mundo nesse período restrito que a mídia e os think thanks do neoliberalismo chamam de globalização: entre 1970 e 2010 a população urbana mundial aumentou em dois bilhões e cento e setenta e sete milhões (2.177.000.000) de habitantes! Já em 1990 tínhamos em cidades uma população equivalente a toda a população mundial de 30 anos antes (1960). Informes recentes obtidos no Vº Fórum Urbano Mundial realizado no mês de março de 2010 no Rio de Janeiro, chamaram a atenção para o fato de 70 milhões de pessoas a cada ano se somarem à população urbana global. E que 90% desse aumento se dá nos países africanos, latino-americanos, caribenhos e asiáticos.
Uma nova geografia política mundial vem se reconfigurando onde o capitalismo financeiro que opera em rede se vê tendo que se ajustar à escala local onde vive a maioria dos “condenados da terra”, conforme a feliz expressão de Frans Fanon sobre os infelizes. Hoje é nessas periferias que proliferam as doenças da miséria globalizada como a AIDS ou mesmo a gripe aviária, como nas periferias da cidade do México em 2009. É nessas periferias urbanas que se espalham o varejo do mercado paralelo das drogas do narco-capitalismo financeiro e seu irmão-gêmeo o mercado de armas. Ali, nas periferias-pobres-onde-quase-todos-são-pretos jovens sem futuro matam e se matam portando armas globalizadamente intermediadas pelo capital financeiro onde os paraísos fiscais cumprem um papel central. E como um paraíso fiscal deve ser, como todo paraíso, numa ilha, o que é perfeitamente coerente com a lógica de um capital que se quer desterritorializado, isto é, sem compromisso com direitos e cidadania que tem no território nacional seu lócus de garantia, o emblema maior desse sistema mundo moderno-colonial não poderia deixar de ser um país-ilha onde “todos são pretos” e os impostos estão no nível ideal dos think thanks neoliberais (O %): o Haiti. E o Haiti expõe ao extremo as contradições do sistema mundo moderno-colonial haja vista ter sido o primeiro país do mundo a querer fazer a dupla emancipação: a do sistema de poder mundial moderno-colonial e a das oligarquias latifundiárias escravocratas. Os haitianos, à época parte do sistema colonial francês, viram a burguesia que tinha no Haiti sua principal fonte de acumulação ser revolucionária em Paris se posicionando contrariamente a estender ao Haiti os princípios da Revolução de 1789: a liberdade, a igualdade e a fraternidade não podiam atravessar o Atlântico nem a barreira da cor da pele. Os Estados Unidos retribuíram a estátua da Liberdade que os franceses lhes regalaram, embora a deixando numa ilha (Manhatan), e apoiaram os franceses contra a dupla emancipação que os haitianos acreditaram ser possível com a Revolução Francesa. Ali, os Estados Unidos deram seu primeiro passo imperial, logo esse país que fizera a primeira revolução de libertação nacional que o mundo conheceu no 4 de julho de 1776.
E foi ali no Haiti que, em 2004, ano em que comemorariam seus 200 anos de independência, que se reiterou o golpe de estado contra um presidente preto cuja liderança política havia sido forjada nas periferias pobres de Porto Príncipe. Diga-se de passagem, que foi um golpe de estado que se iniciara em 1992 quando Jean-Batiste Aristide, o padre da Teologia da Libertação, ganhara a primeira eleição livre do Haiti depois que a sanguinária dinastia Duvallier deixava o país depois de décadas para se abrigar no país das Luzes, a França. J-B Aristide foi seqüestrado pelo então Presidente Bill Clinton e levado a Washington onde teve que negociar as condições que o Império lhe impôs para tomar posse. Entre essas condições constava a de não mexer na estrutura de poder militar legada pelos Duvallier. Aristide e o povo haitiano pagaram caro, mais uma vez, suas pretensões libertadoras e tiveram que se curvar às forças hegemônicas do sistema mundo moderno-colonial.
E é ali no Haiti que vem se ensaiando o novo combate na nova configuração geopolítica do mundo onde as periferias onde “quase todos são pretos” devem ser controladas. O espetáculo globalmente transmitido ao vivo de tanques militares invadindo Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão no último dia 26/11/2010 atualiza essa história de longa duração no espaço concreto da miséria local de um sistema global. E os tanques que ali agiam numa inédita articulação do estado brasileiro em suas distintas esferas com a mídia foram tanques fabricados na Suíça que, até então, se acreditava ser o país do chocolate e do capital bancário-financeiro globalizado. Que aqueles jovens que com a sua fuga demonstravam o quanto desorganizado é o “crime organizado” se livrem do massacre que os espera. Mas a esperança necessária para que se livrem das balas que prometem atingi-los, aliás como também vem protagonizando nessa lógica absurda da violência e do medo, passa muito longe de tanques e da mídia. Passa “por uma outra globalização” muito longe do globaritarismo que não entende que é de “um mundo onde caibam muitos mundos” que carecemos. Que seja igualitária e que não tolere o outro porque o vê com alegria. E que a pólvora volte a ser usada para fogos de artifício. Aliás, elas só se fazem mais belas sobre um fundo preto, à noite, que bem pode ser a escuridão da morte.




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[1] Professor dom Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Pesquisador do CNPq e do Clacso. Prêmio Casa de las Américas (Ensaio Hisórico-social) em 2008 e Medalha Chico Mendes em Ciência e Tecnologia 2004. É autor de vários livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Reunião do G20 - solução de questões cambiais

Atualidades :
A questão cambial e a reunião do G20

Na atual conjuntura global as questões das flexibilizações da moeda tem atraído atenção quando se pensa em crise econômica mundial e o fabuloso crescimento econômico chinês pautado em uma agressiva desvalorização de sua moeda o Iuan.
Estados Unidos acusam a China de manter sua moeda desvalorizada para melhorar a competitividade internacional
Negociadores de países do grupo buscam acordo sobre moedas.
da economia mundial - não conseguiram progredir nas primeiras discussões sobre as medidas que as principais forças econômicas do mundo precisam tomar para sustentar a recuperação econômica global, incluindo o debate sobre a "guerra cambial", às vésperas da reunião de cúpula das principais potências industrializadas e emergentes que começa na quinta-feira em Seul.
Um encontro de delegados dos ministérios das Finanças, organizado na terça-feira para preparar o documento que será lido pelos líderes ao término da cúpula, na sexta-feira, "não registrou avanços", disse nesta quarta o porta-voz do comitê presidencial sul-coreano do G20, Kim Yoon-kyung.
"Cada país se manteve apegado à sua posição original. Não queriam um compromisso. O debate foi bastante acalorado", explicou Kim, sem dar mais detalhes sobre os pontos problemáticos.
"O debate está sendo tão acalorado que quando entrei na sala onde estavam reunidos, tive que deixar a porta aberta", disse Kim.
Após a maratona de 14 horas de terça-feira, as discussões do G20 antes do início da cúpula continuam nesta quarta-feira, segundo o porta-voz da presidência sul-coreana.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, chegou por volta de 12h50 (horário local) desta quarta-feira a Seul.

O presidente dos EUA, Barack Obama, também já está na capital sul-coreana para o encontro.
Notas de dólar e iuan em Banco de Seul, nesta quarta. (Foto: Lee Jae-won/Reuters)
O G20 é integrado por União Europeia (UE), Grupo dos Sete (Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália e França), Coreia do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia e Rússia, que juntos são responsáveis por 85% da economia do planeta.
A Espanha também participará da cúpula de Seul, na condição de país convidado.
Os Estados Unidos acusam a China de manter sua moeda desvalorizada tornar seus preços mais competitivos no comércio internacional, e querem que os grandes países exportadores aceitem, por meio de um acordo no G20, limitar o excedente comercial de suas balanças comerciais a uma porcentagem determinada pelo PIB.
Mas Alemanha e China rejeitam a iniciativa e, junto com o Brasil, acusam Washington de ameaçar a recuperação mundial com o enfraquecimento do dólar, em particular depois do anúncio do Federal Reserve, na semana passada, de uma nova injeção de 600 bilhões de dólares para estimular a atividade nos EUA.
Juro baixo
E se na Europa a preocupação é com o euro fortalecido, na América Latina e na Ásia teme-se que, com a taxa de juros extremamente baixa dos Estados Unidos, os dólares do Fed acabem inundando os mercados emergentes, cujo rendimento mais alto previsivelmente atrairá os investidores - o que pode criar uma bolha especulativa.
Deverá haver outra reunião nesta quarta-feira, mas por enquanto a falta de acordo sobre temas como a desvalorização de divisas, a expansão monetária dos Estados Unidos e a brecha que existe entre o superávit dos emergentes e o déficit dos mais ricos, deixou "espaços em branco" na minuta do comunicado final da cúpula.
No entanto, existem outros temas nos quais há avanços, como a reforma da partilha de poder no Fundo Monetário Internacional (FMI), que já foi aprovado pelo Conselho Executivo do organismo, o investimento em desenvolvimento e a mudança climática.
A ameaça de uma "guerra de divisas" - como batizou há semanas o ministro da Fazenda, Guido Mantega - poderá ofuscar estes acordos se a reunião do G20 não conseguir chegar a consensos em outros temas.